Por causa de uma política de saneamento já superada em outras partes do mundo, as histórias dos cursos d’água que passam por Belo Horizonte acabaram como eles: escondidos e esquecidos.

Dos 700 km de córregos, 200 foram “guardados” em canais cimentados e - muitos – tampados para dar lugar às principais avenidas que cortam a cidade. Em uma observação rápida da capital, não dá para perceber que o território é uma “caixa d’água”, tamanha a riqueza de recursos hídricos que guarda. Essa abundância foi um dos motivos que fizeram com que tornasse sede Minas Gerais, a partir de 1897.

A concepção higienista que predomina no final do século XIX, quando a capital foi construída, motivava governantes a se preocuparem com os sistemas sanitário e de abastecimento. Uma boa água e rotas fluviais que permitissem o despejo do esgoto eram fundamentais.

No final do século XIX, uma cidade, para ser moderna, tinha que ser saudável. Belo Horizonte preenchia os dois requisitos.

No livro “Memória histórica e descritiva de Belo horizonte”, o historiador Abílio Barreto, principal narrador do nascimento da cidade, registra avaliações feitas pelos estudiosos da Comissão construtora na Nova Capital – CNCC, sobre o antigo Arraial do Curral Del Rei.

Em um dos trechos, ele reproduz a observação da comissão sobre a proximidade da região com os rios da s Velhas e Paraopeba, ambos afluentes do Rio São Francisco. Além disso, estava em área de influência do Ribeirão Arrudas. Assim dizia: “ Belo Horizonte oferece condições pra o estabelecimento de uma população de 190 mil habitantes”. Outros relatos presentes no livro, falam de pesquisas de campo em que a perfuração do solo a poucos metros, fazia jorrar uma água limpa e cristalina.

Além dessa água pura que “jorrava” do subterrâneo, a cidade era rica em águas superficiais, já que Belo Horizonte é um platô – um planalto – e que, antes de a capital ser inaugurada, era cercado por várias lagoas. Uma delas ficava na região onde, hoje, está localizada a Igreja da Boa Viagem. Assim como os cursos d’água canalizados e capeados, as lagoas foram tampadas, mas de forma descontrolada, com terra por cima.

O sistema adotado pelos engenheiros que construíram a capital, captava água ao longo da encosta da Serra do Curral, na Região Centro Sul. Os moradores dessas terras foram desapropriados. Pessoas que viviam na Região do Barreiro, onde se localizava a antiga Fazenda do Barreiro, área de nascentes, também tiveram que deixar suas casas. A CNCC calculava que, no futuro, a população poderia se expandir e era preciso garantir mais mananciais. Os estudos dos técnicos da construção estimavam água para um contigente de 1 milhão de pessoas.

A opção imediata da CNCC para abastecimento da cidade foram os córregos da Serra, Acaba Mundo e Cercadinho. Depois, seriam os de Taquaril, Cardoso, Bonsucesso e Capão da Posse. Todos eles pertenciam à Bacia do Arrudas e desaguavam nele. Aos poucos, outros córregos foram sendo utilizados para abastecimento ou para esgotamento sanitário. Avenidas Silviano Brandão, Prudente de Morais, D. Pedro II, Afonso Pena, Mén de Sá e Francisco Deslandes e muitas outras, estão em cima de cursos d’água, que foram canalizados.

Depois de abastecer a população e antes de desaguar no Ribeirão Arrudas, os cursos d’água tinham a tristes sina de receber o esgoto produzido e, ao final, despejar tudo no referido ribeirão. Mais tarde, também no Ribeirão do Onça, que corta a cidade na Região Norte. Os dois são afluentes do Rio das Velhas e principais responsáveis pela sua poluição. A rede de esgoto e pluvial foi formada junta e só separada a partir da década de 30.

Os projetos de construção da capital previam uma estação de tratamento de esgoto no Arrudas, que seria instalada no Bairro Santa Efigênia, nas proximidades da Câmara Municipal, na Região Leste. No entanto, a primeira estação do Arrudas só veio a ser inaugurada 105 anos depois da inauguração da capital, em 2002. A segunda estação é de realização recente, com apenas dois anos de funcionamento.

O cuidado da CNCC em erguer uma cidade com condições higiênicas ideais não evitou que a população fosse vítima de doenças transmitidas pela água. Conforme registro do livro “Saneamento básico de Belo Horizonte: trajetória em 100 anos”, publicado pela Fundação João Pinheiro, uma tabela mostra o índice de contaminação. Em 1910, 72,19 pessoas em cada grupo de 100 mil, tiveram febre tifóide e 21,06, disenteria. Em 1920, o índice passou para 5,4, no caso da febre tifóide, e 3,68, na disenteria. Em 1930, foram 17,95 ocorrências de tifo e 4,27 de disenteria. O mesmo livro mostra que, em países desenvolvidos, os índices ficavam perto de zero.

Hoje, a cidade não conta mais com as antigas fontes de água. Conforme informação da Companhia de Saneamento de Minas Gerais – COPASA, 85% da água que abastece Belo Horizonte, vêm de outras cidades e apenas 15% vêm do córrego do Cercadinho. Levantamento sobre recursos hídricos realizado pela Superintendência de Desenvolvimento da Capital – SUDECAP em 1999, informava que foram encontrados 750 Km de cursos d’água, sendo que 550 – 67% - estavam degradados, 250 estavam canalizados e 150 km passavam embaixo de ruas e avenidas.

Uma das grandes novidades para os envolvidos neste levantamento foi o descobrimento de uma galeria subterrânea na Avenida Afonso Pena, em frente ao Palácio das Artes, em tijolo, em forma de arco em cantaria, que foi construída, presumivelmente, por volta de 1898 e servia ao córrego do Acaba Mundo, para escoamento de água pluvial e de chuva. Ela tem 5 metros de altura e 100 metros de extensão, atravessando a avenida na diagonal, chegando até a Rua Pernambuco. Ela foi desativada na década de 1970.

A transformação do leito de cursos d’água em canal foi justificada, durante muito tempo, como a melhor opção para tratamento de córregos, ribeirões e rios que passassem dentro dos centros urbanos em crescimento. Ao canalizá-los, era possível aumentar as vias de transporte e loteamentos, além de se eliminar, supostamente, o problema das enchentes, do esgoto e do excesso de lixo. Mas hoje, é uma solução criticada, pois, cobertos por grandes ruas e avenidas, somente são lembrados ao transbordarem.

RAIO X DO RIBEIRÃO ARRUDAS:

Nascente: Na junção dos córregos Jatobá e Barreiro, próximo ao limite com o município de Contagem;
Foz: Deságua no Rio das Velhas, no município de Sabará;
Extensão: 47 Kms, sendo 37,6 em Belo Horizonte;
Volume: Em época de chuva, chega a 970 metros cúbicos por segundo. Em seca, 6 metros cúbicos por segundo;
Canalização: Apenas 3, 3 Kms não estão canalizados.

HISTÓRICO DA CANALIZAÇÃO:

1895: Primeiras canalizações em Belo Horizonte, no córrego do Acaba Mundo e no Ribeirão Arrudas;
1928: Implantação de canal entre a Avenida Tocantins e Estação Arrudas;
1935: Prosseguimento da canalização nos trechos entre as Ruas Rio de Janeiro e Tupis e Avenida Tiradentes e Rua Tupinambás;
1973: Substituição de pontes na área central;
1980: Início da canalização abaixo da Ponte do Perrela;
1981: Início da canalização acima da Ponte do Perrela;
1997: Conclusão das obras até a divisa com o município de Sabará;
2007: Inaugação do Boulevard Arrudas entre a Alameda Ezequiel dias e Escola de Engenharia da UFMG.